‘ZDRÁSTVUITIE’

Treinamento em língua russa
Marcos Pontes
09/12/2005

Russo é uma língua difícil. Isso é um fato. O primeiro contato assusta qualquer um. Alfabeto enigmático. Palavras longas recheadas de combinações explosivas de sons em “r”. Sílabas tônicas bem destacadas e uma música marcada na pronúncia forte das frases. Realmente impressiona logo de cara. Passado o impacto inicial da ortografia e fonética, chega a gramática com pares de verbos perfeitos e imperfeitos, seis casos de declinações de substantivos e de seus modificadores e ainda, como se não bastasse tudo isso, muitas exceções! Em resumo: ultimamente tenho lembrado com frequência de todos os professores de português que já tive na vida!
Quando cheguei aqui, na Cidade das Estrelas, na constelação de procedimentos e coisas novas que deveria aprender, encontrei a língua russa. Apesar das dificuldades e do tempo curto para aprender suas bases, o contato com um novo idioma sempre é algo extremamente gratificante. Significa, de certa forma, tocar a história e a cultura de um povo, registrados com distinta elegância, no desenvolvimento dinâmico da sua linguagem falada e escrita
Nesse contexto, entre a motivação da oportunidade cultural e a pressão das obrigações profissionais, tive minha primeira lição de russo há pouco mais de um mês atrás.
Era uma quinta-feira, 27 de outubro, onze horas da manhã. Consultei rapidamente o número da sala de aula em minha programação diária, impressa em russo, enquanto caminhava sobre neve através da praça central do setor operacional em direção ao prédio 2. O edifício, com “arquitetura reta”, ficava logo à frente da praça central do Centro de Treinamento. Entrei pela sua porta principal, retirando as luvas, o gorro de neve e o pesado casaco de frio. O hall de entrada, bastante amplo, era decorado, entre outras coisas, por posto de segurança do lado direito da porta.
“Zdrástvuitie!”, disse o soldado em tom de boas vindas. Respondi inicialmente com um sorriso amigável. Conhecia essa palavra das minhas poucas e indecisas leituras sobre o idioma durante o período em que aguardava a definição oficial, ou não, da missão. Tentei me lembrar qual deveria ser minha resposta. “Paja... alguma coisa, ou seria espa... alguma coisa, ou apenas repito a mesma palavra?” Os segundos que eu teria, no ritmo normal de conversação, para responder ao cumprimento, esgotaram-se rapidamente. Assim, apenas agradeci com um aceno discreto. Segui à direita, pelo corredor central do prédio, prestando atenção aos números escritos nas portas. “ JIC #213”, deve ser aqui, pensei. Pelo menos o número era igual ao escrito na programação. Bati na porta e entrei. Sentado, meu professor calmamente aguardava por minha chegada. Era um senhor simpático, cerca de sessenta anos de idade, magro, cabelos grisalhos. Sua atitude educada e paciente, revelou prontamente a experiência adquirida ao longo de décadas de trabalho ensinando o seu idioma a inúmeros estrangeiros.
Após as apresentações formais, conversamos, em inglês, a respeito do currículo, objetivos e outros assuntos. Expliquei sobre minha função operacional e a necessidade de executar procedimentos de bordo utilizando painéis, contatos de rádio e manuais, em russo. Falei das restrições do tempo para o aprendizado mais completo da linguagem para “uso geral”. Isto é, o fato de infelizmente não ser possível tornar-se fluente no idioma em apenas quatro meses. Contudo, enfatizei a importância de, no mínimo, entender as comunicações e atuar com eficiência durante a missão. Ele ouviu atentamente as minhas considerações e, do alto de sua experiência como educador, disse, sorrindo e olhando diretamente para mim: “você irá muito além das suas modestas intenções”.
O tempo passou rapidamente desde aquele dia. Um mês se foi entre tantos sistemas, aulas e outras atividades. Conheci pessoas, lugares, pensamentos, histórias e emoções. O alfabeto já não é enigmático. A leitura e a pronúncia continuam difíceis. Faltam palavras. Mas já é possível entender bem o significado de boas vindas expresso na sinceridade de um simples “olá!” e perceber algumas das razões pelas quais a palavra “Mir”, um dia utilizada para nomear a estação espacial russa, significa, ao mesmo tempo, “Mundo” e “Paz”.