Russo
é uma língua difícil. Isso é um fato.
O primeiro contato assusta qualquer um. Alfabeto enigmático.
Palavras longas recheadas de combinações explosivas
de sons em “r”. Sílabas tônicas bem destacadas
e uma música marcada na pronúncia forte das frases.
Realmente impressiona logo de cara. Passado o impacto inicial
da ortografia e fonética, chega a gramática com
pares de verbos perfeitos e imperfeitos, seis casos de declinações
de substantivos e de seus modificadores e ainda, como se não
bastasse tudo isso, muitas exceções! Em resumo:
ultimamente tenho lembrado com frequência de todos os professores
de português que já tive na vida!
Quando cheguei aqui, na Cidade das Estrelas, na constelação
de procedimentos e coisas novas que deveria aprender, encontrei
a língua russa. Apesar das dificuldades e do tempo curto
para aprender suas bases, o contato com um novo idioma sempre
é algo extremamente gratificante. Significa, de certa forma,
tocar a história e a cultura de um povo, registrados com
distinta elegância, no desenvolvimento dinâmico da
sua linguagem falada e escrita
Nesse contexto, entre a motivação da oportunidade
cultural e a pressão das obrigações profissionais,
tive minha primeira lição de russo há pouco
mais de um mês atrás.
Era uma quinta-feira, 27 de outubro, onze horas da manhã.
Consultei rapidamente o número da sala de aula em minha
programação diária, impressa em russo, enquanto
caminhava sobre neve através da praça central do
setor operacional em direção ao prédio 2.
O edifício, com “arquitetura reta”, ficava
logo à frente da praça central do Centro de Treinamento.
Entrei pela sua porta principal, retirando as luvas, o gorro de
neve e o pesado casaco de frio. O hall de entrada, bastante amplo,
era decorado, entre outras coisas, por posto de segurança
do lado direito da porta.
“Zdrástvuitie!”, disse o soldado em tom de
boas vindas. Respondi inicialmente com um sorriso amigável.
Conhecia essa palavra das minhas poucas e indecisas leituras sobre
o idioma durante o período em que aguardava a definição
oficial, ou não, da missão. Tentei me lembrar qual
deveria ser minha resposta. “Paja... alguma coisa, ou seria
espa... alguma coisa, ou apenas repito a mesma palavra?”
Os segundos que eu teria, no ritmo normal de conversação,
para responder ao cumprimento, esgotaram-se rapidamente. Assim,
apenas agradeci com um aceno discreto. Segui à direita,
pelo corredor central do prédio, prestando atenção
aos números escritos nas portas. “ JIC #213”,
deve ser aqui, pensei. Pelo menos o número era igual ao
escrito na programação. Bati na porta e entrei.
Sentado, meu professor calmamente aguardava por minha chegada.
Era um senhor simpático, cerca de sessenta anos de idade,
magro, cabelos grisalhos. Sua atitude educada e paciente, revelou
prontamente a experiência adquirida ao longo de décadas
de trabalho ensinando o seu idioma a inúmeros estrangeiros.
Após as apresentações formais, conversamos,
em inglês, a respeito do currículo, objetivos e outros
assuntos. Expliquei sobre minha função operacional
e a necessidade de executar procedimentos de bordo utilizando
painéis, contatos de rádio e manuais, em russo.
Falei das restrições do tempo para o aprendizado
mais completo da linguagem para “uso geral”. Isto
é, o fato de infelizmente não ser possível
tornar-se fluente no idioma em apenas quatro meses. Contudo, enfatizei
a importância de, no mínimo, entender as comunicações
e atuar com eficiência durante a missão. Ele ouviu
atentamente as minhas considerações e, do alto de
sua experiência como educador, disse, sorrindo e olhando
diretamente para mim: “você irá muito além
das suas modestas intenções”.
O tempo passou rapidamente desde aquele dia. Um mês se foi
entre tantos sistemas, aulas e outras atividades. Conheci pessoas,
lugares, pensamentos, histórias e emoções.
O alfabeto já não é enigmático. A
leitura e a pronúncia continuam difíceis. Faltam
palavras. Mas já é possível entender bem
o significado de boas vindas expresso na sinceridade de um simples
“olá!” e perceber algumas das razões
pelas quais a palavra “Mir”, um dia utilizada para
nomear a estação espacial russa, significa, ao mesmo
tempo, “Mundo” e “Paz”.